Falta de talento preocupa setor

Associações apontam falta de mão de obra e de talento como fatores críticos. Desorganização do território e falta de visão estratégica do país impactam área de negócio em mudança acelerada.

O setor da logística está numa fase de forte transformação. Existem diversos fatores de mudança que afetam, de modo significativo, a forma como está estruturada e como decorre a operação logística. No entanto, as associações do setor surgem bastante alinhadas sobre quais os temas que irão dominar a agenda do setor dos transportes e logística a médio e longo prazo.

Para Vítor Figueiredo, presidente da Associação Portuguesa de Operadores Logísticos (APOL), “a crise de talento que todos enfrentam tem forte impacto num setor que está sob muita pressão e que se quer ágil e resiliente. Faltam profissionais formados e motivados no setor da logística”. Neste contexto, “apesar de o número de recém-licenciados em áreas-chave ter aumentado significativamente, o crescimento do setor e a emigração fazem que continue a existir uma escassez de recursos humanos qualificados”, refere o responsável. Acresce que, segundo Vítor Figueiredo, não é apenas nas funções mais técnicas que existe um problema: “A pressão da forte customização das encomendas, associada a lead times cada vez mais pequenos, tem resultado numa escassez de recursos disponíveis também na mão de obra mais indiferenciada. Este é um fator crítico e que muito preocupa o setor”, alerta o responsável da APOL.

Melhorar a logística das cidades
Numa perspetiva de organização do território, Vítor Figueiredo encontra também uma situação preocupante para a atividade de logística: “A população está cada vez mais concentrada em centros urbanos, que se têm vindo a transformar, mas cuja reconversão teima em esquecer a dimensão logís- tica. Para melhorar a logística das cidades, pela sua importância e impacto, seria muito importante que o poder central e os municípios estivessem mais coordenados no que diz respeito a regras básicas de acessos aos centros urbanos”. Do seu ponto de vista, hoje, “a informação é escassa, difusa e muito díspar. Existem situações que geram fortes ineficiências nos processos de entregas e cujas consequências estão a ser totalmente absorvidas pelo mercado em geral e, consequentemente, também pelos operadores logísticos.”

Quadro económico e geopolítico preocupante

Olhando para o mercado, Vítor Figueiredo refere “a importância das novas plataformas de entrega ao domicílio, que adicionaram novos players, que operam em quadros legais distintos e que, por vezes, acabam por distorcer as boas normas da concorrência, o que o poder político vai permitindo por tardar a regulamentar estas atividades”.

No quadro da economia e da geopolítica, o dirigente associativo aponta “as várias convulsões ocorridas no mundo nos últimos anos, como sejam a pandemia, a interrupção de inúmeras cadeias de abastecimento, a inflação g neralizada, a guerra, a crise energética e a escassez de talento, tudo fatores que resultaram em forte pressão para todas as empresas, entre as quais estão, claro, as que se dedicam a atividades logísticas”. Vítor Figueiredo atreve-se a dizer que a cadeia de abastecimento, dentro da qual está a atividade logística, “foi das mais afetadas pelos acontecimentos recentes”. “As mudanças constantes e que decorreram a altíssima velocidade puseram à prova empresas e profissionais. E este é um processo que está longe de terminar, que nos leva a pensar que a estabilidade será certamente a exceção nos próximos anos”, antevê.

Setor exigente

Para a Associação Portuguesa de Logística (APLOG), um dos temas mais desafiantes para o setor da logística e transportes prende-se também com a falta de mão de obra especializada. “A maioria da atividade no setor da logística e transportes é feita 24 horas por dia e em muitos casos, sete dias por semana”, nota Afonso Almeida, vice-presidente daquela associação. “Estas questões devem levar as organizações a melhorar de forma significativa as remunerações aos seus colaboradores e as condições de trabalho, para conseguirem reter os colaboradores, evitando uma rotação contínua de pessoal, que tem um impacto muito significativo no serviço e na eficiência das operações, com um aumento de custos e perda de rentabilidade das organizações”, defende o responsável. Por outro lado, este ponto “faz com que seja cada mais importante que as organizações apostem claramente na tecnologia e em temas como a automação, a transformação digital, os sistemas colaborativos, entre muitas outras valências tecnológicas”, diz.

Na visão de Afonso Almeida, “é também cada vez mais relevante que exista no país uma visão estratégica para o futuro, de forma que as organizações neste setor possam ter todos os dados para tomarem boas decisões nos seus investimentos, em termos de localizações, entre outras prioridades, evitando serem surpreendidas com decisões que mudam diversas vezes numa década. A previsibilidade do futuro é crítica para um desenvolvimento sustentado do setor.”

Sustentabilidade e tecnologia como pano de fundo

Na perspetiva da associação, existem mais tendências e desafios para o futuro que deverão ser analisados com muita atenção, tais como: a escassez de mão de obra, a necessidade de restaurar capacidades fundamentais da cadeia de abastecimento, de descentralizar o abastecimento e a pro- dução, aumentar a flexibilidade, a agilidade e a colaboração e responder ao maior crescimento no e-commerce e aos desafios da cibersegurança.

Como cenário para estas questões perpassam duas grandes tendências, que retratamos mais à frente nestas páginas: em primeiro lugar, a necessidade de maior sustentabilidade. Um desafio de enorme alcance que passa, na dimensão ambiental, pela conversão das frotas às energias alternativas, pela redução e compensação das emissões, pela eficiência energética e por uma lógica de reutilização dos recursos e materiais. Depois a evolução tecnológica, impulsionada pela transformação digital, pelos novos modelos de negócio, pela reconfiguração das cadeias de abastecimento, pela emergência de novas oportunidades via inteligência artificial e de novas ameaças, como a cibersegurança.

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