Muitos desafios num horizonte volátil

Uma nota prévia para dizer que os últimos 4 anos da logística foram talvez dos mais transformadores e desafiantes de sempre. O impacto de choques externos como a pandemia, a aceleração da multiplicação de canais de venda e consumo, a interrupção de cadeias de abastecimento, a crise de fretes, a crise energética, cenários de guerra e a crise de mão de obra são apenas alguns exemplos a que o sector da logística se teve de adaptar num período muito reduzido. Durante este período os profissionais e empresas que operam no sector da  Logística e Transportes revelaram uma resiliência e capacidade de concretização que são realmente ímpares e devem ser enaltecidas.

Os próximos anos avizinham-se igualmente voláteis. Por esta razão, é extremamente desafiante fazer uma previsão sobre o ano de 2024. Para além de todos estes fatores, 2024 será um ano de eleições, antecipando-se um cenário de governação difícil para tomar algumas decisões estruturantes que já se arrastam há muito tempo e que podem influenciar, de forma significativa, quer o desempenho económico do país, quer desafios igualmente difíceis como sejam a transição energética que todos desejamos.

De qualquer forma, mais que previsões, penso que interessa enumerar os desafios que antecipamos no sector da Logística e Transportes:

Instabilidade governativa e as indecisões que, cada vez mais, afetam o sector

A queda do governo e a previsível instabilidade governativa podem afetar sobretudo decisões ao nível de infraestrutura estruturante para o país. Gostaria de destacar 3 dessas infraestruturas:

  • Aeroporto de Lisboa. É consensual admitir que esta é uma decisão que já leva muito atraso. À data de hoje já existem muitos constrangimentos operacionais na infraestrutura existente que têm tendência para se agravar de forma muito significativa e a um ponto de poderem afetar a procura do nosso país para efeitos de turismo. Atendendo ao peso que o turismo tem tido na economia portuguesa nos últimos anos, este adiamento é algo que vemos com muita preocupação. Estamos num ponto em que é obvio que a decisão tomada nunca será consensual. Contudo, há que admitir que o custo de uma não decisão pode ser muito maior que o custo de uma decisão menos acertada
  • Rede ferroviária. Depois de décadas em que este meio de transporte foi esquecido nas prioridades de investimento, a necessidade de uma transição carbónica trouxe-lhe um relevo ímpar. O transporte de passageiros é importante quer para apresentar alternativas mais sustentáveis, quer também para poder descongestionar os aeroportos. No entanto, é nas mercadorias que a via-férrea mais pode ajudar a tornar o transporte de longa distância mais eficiente e sustentável de um ponto de vista económico e ambiental. A ligação férrea entre as principais cidades e infraestruturas ibéricas é fundamental para a competitividades dos portos portugueses e uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. É tempo de fazer um plano a longo prazo para a rede ferroviária que seja coordenada a nível internacional e não esteja dependente da cor política que estiver no governo
  • Rede Elétrica Nacional. O caminho que Portugal tem feito na conversão para fontes de energia renovável é algo amplamente reconhecido a nível internacional e um exemplo de que todos nos devemos sentir orgulhosos. Contudo, a rede elétrica está neste momento num ponto de saturação que não permite continuar a receber mais centrais de produção de energia renovável sem que sejam feitos mais investimentos. À semelhança de outros investimentos, estas alterações, além de serem estruturais e estruturantes, são demoradas e necessitam de ser planeadas a longo prazo. Sem decisões do poder público, corremos o risco de ficar a meio caminho numa transição importantíssimo para um país como o nosso que sempre tem estado altamente dependente dos choques energéticos internacionais

…[antecipa-se] um cenário de governação difícil para tomar algumas decisões estruturantes que já se arrastam há muito tempo e que podem influenciar, de forma significativa, quer o desempenho económico do país, quer desafios igualmente difíceis como sejam a transição energética…

Necessidade de legislação e regras claras em áreas novas para a economia e que estão a evoluir rapidamente, nomeadamente:

  • Plataformas de entrega rápida – Os padrões de consumo têm vindo a alterar-se significativamente. Em simultâneo, também as novas plataformas de entregas rápidas têm vindo a multiplicar-se. Na sua grande maioria estas plataformas são gigantes tecnológicos de âmbito mundial. Trata-se de entidades com um papel relevante na transição do comércio, mas que precisam de obedecer às mesmas regulamentações a que os players logísticos tradicionais estão sujeitos. O papel dos reguladores é fundamental para manter as regras salutares de concorrência.
  • O investimento privado no sector da logística tem sido muito avultado. Quer seja de um ponto de vista de licenciamentos de novos negócios, quer seja de um ponto de vista imobiliário, quer seja ainda de um ponto de vista de projetos de transição energética, existe a necessidade de ter regras claras que permitam um processo de licenciamento rápido e objetivo.
  • Existem atrasos significativos em Portugal no que diz respeito ao apoio à atualização e renovação de frotas com vista a uma transição carbónica em linha com os objetivos europeus e nacionais. Comparativamente com outros países existem diferenças significativas nos apoios às empresas que interessa encurtar com vista a que Portugal não fique para trás neste caminho
  • No que diz respeito à mobilidade urbana e às regras de abastecimentos de mercadorias aos centros urbanos, vivemos hoje uma realidade tão descentralizada que corremos o risco de criar um cenário anárquico em que cada município estabelece as suas regras, algumas das quais muito questionáveis de um ponto de vista técnico. Acreditamos ser fundamental haver uma estratégia global que defina linhas mestras neste âmbito que depois podem ser adaptados a cada município de forma individual
  • A adoção de novas tecnologias, nomeadamente baseadas em IA, faz com que se precise de rever muitas normativas para as adequar a novas realidades

* Pressão para diminuição significativa da pegada ecológica do sector

O sector dos transportes continua a ser um dos principais sectores responsáveis pela emissão de gases nocivos ao meio ambiente. Muito se fala de transição de frotas e combustíveis alternativos. Contudo, é necessário ter em consideração que, de um ponto de vista prático, o sector tem noção da inevitabilidade de que este é um caminho a percorrer, mas urgem novas tecnologias que permitam que este caminho se faça a um ritmo mais rápido. A mobilidade com combustíveis alternativos é hoje um caminho ainda em marcha com diversos fatores que o tornam menos competitivo que os combustíveis fósseis. As ajudas centrais são assim fundamentais para que esta transição se faça e a tecnologia associada às mesmas fique mais barata

* Ausência de mão de obra

O sector da logística e transportes tem sido dos que mais tem adotado novas tecnologias, em simultâneo, tem sido dos que mais emprego tem criado. A ausência de mão de obra é algo generalizado e que se aplica, quer a funções mais qualificadas, quer a funções mais indiferenciadas. O caso específico dos motoristas é extraordinariamente preocupante. No caso específico português, a concorrência com outros países com salários mais elevados tem criado desafios muitos complicados às empresas do sector.

* Volatilidade do consumo

O sector tem tido, felizmente, um aumento de massa crítica criado por um volume crescente. Fatores como sejam o aumento da inflação e os aumentos das taxas de juro podem criar uma tendência de retração do consum, o que preocupa o sector que está, obviamente, muito dependente do volume para poder diluir os seus custos fixos. Sendo um sector que tem feito investimentos avultados, também é um sector muito exposto ao aumento abrupto das taxas de juro.

* Novo paradigma tecnológico

O ano de 2023 veio criar um novo paradigma tecnológico ao democratizar o acesso à Inteligência Artificial (IA). Acreditamos que o ano de 2024 será um ano de afirmação das aplicações que a IA pode ter num sector que é altamente dependente da interação entre diferentes players, que tem um acesso invejável a dados e que é bastante permeável e recetivo a novas tecnologias. Acreditamos que a IA contribuirá para aumentar a concentração do sector em players de maior dimensão. Além disso, em conjunto com as pressões para adotar práticas mais sustentáveis, a IA funcionará também como um enabler para uma maior colaboração entre os diversos intervenientes do sector através da chamada coopetição (colaboração entre empresas que são concorrentes entre si).

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